Deixar de lutar por um mundo melhor
Tive a oportunidade de participar num impressionante encontro internacional, com delegados de todos os países do mundo – mesmo os que não vêm assinalados no mapa – , em Seul, na Coreia, em que os presentes eram políticos, líderes religiosos ou académicos com obra desenvolvida sobre o tema em discussão: a Paz.
Tive a oportunidade de defender uma ideia que me parece avassaladora: deixou de ser importante lutar por um mundo melhor, mas, em vez disso, chegou a altura de nos unirmos para lutar contra o pior do mundo.
Não é um simples trocadilho, uma brincadeira com as palavras – e nestas matérias não com o que brincar. Do conflito doméstico, à violação, da destruição e da morte em nome de crenças díspares e nunca legítimas, da impunidade com que se cavam diferenças e se falta ao respeito das minorias, da brutalidade das guerras, sejam elas movidas por boas ou más intenções, soem as metralhas, os maléficos drones, as sanções económicas, o ágio ou a cegueira do poder, não há perdão. O longo caminho da construção da paz leva-nos pelos becos, pelas trincheiras, pela lama, pelos cadáveres que a nossos pés apodrecem diante dos nossos olhos mais ou menos cúmplices.
Nesta cimeira, com quinhentos líderes – religiosos, políticos, académicos – a vontade de Paz foi unânime nos discursos. A louvação dos melhores princípios, a exigência de direitos humanos – que para a maior parte do mundo, incluindo boa parte do mundo dito civilizado – não deixa de ser uma utopia.
Falámos de terrorismo. Nomeadamente, do terrorismo norte-americano cujas administrações de Bush, Clinton, Obama e Trump marcaram o pior do mundo. E se o século XX foi o século do sangue – nunca morreu tanta gente, por dia, como nesses cem anos de catástrofes – o século XXI parece ser um herdeiro hipócrita.
A onze mil quilómetros de casa, pensava eu nos meus pobres conterrâneos que, enquanto bebem a bica e petiscam o salgado, suspiram “só neste país” – e exalam o seu azedume e a sua frustração, por não saberem do mundo mais do que a cor dos seus becos e travessas. A onze mil quilómetros de casa, na fronteira mais ameaçada, bebi água partilhada, essa que é um dos bens mais preciosos da Humanidade, e pensei em novas formas de lutar contra o pior do mundo. Já que o Mundo melhor foi mesmo aquele onde nascemos, pródigo e generoso, capaz de nos dar a vida e trazer até aqui.
Alexandre Honrado
Historiador